terça-feira, 16 de março de 2010

FILHO SUPERPROTEGIDO PERDE AUTO-ESTIMA

No final e no início de cada ano letivo da criançada, dá para perceber bem melhor um movimento que os pais, muito freqüente­mente, fazem em torno dos filhos: o de tentar, a todo custo, protegê-los das dificuldades, dos dissabores, das frustrações, de tudo, enfim,que possa causar sofrimento a eles nesta vida. Sempre que os pais podem fazer algo para evi­tar que o filho enfrente alguma situação de mal-estar, eles o fazem prontamente.

Querem ver? O ano mal começou, e já há muitos coordenadores, diretores e orientado­res escolares que não agüentam mais ver pais e -mães na escola porque sabem o que eles que­rem: solicitar mudança de classe do filho para que ele fique junto com os melhores amigos, distante de um desafeto ou coisa que o valha.

No fim do ano, a procissão é muito seme­lhante, só o objetivo muda. A questão a ser discutida nessa época é o aproveitamento es­colar do filho. E lição de casa, então? Que pai ou mãe resiste a dar uma olhadinha no que o filho fez sozinho para ver se está correto?

Mas essa atitude de proteção não se restrin­ge à vida escolar do filho. É bem mais ampla. Vai desde um detalhe, como acionar uma tra­va na porta do carro que não permite que ela seja aberta pelo filho, até buscar uma solução rápida e eficiente para um conflito entre ir­mãos ou amigos a fim de evitar uma conse­qüência maior. Tudo é feito com o maior cari­nho e senso de proteção paterna e materna. Mas será que isso é bom para os filhos, para a formação deles, para o preparo para a vida que eles terão de enfrentar logo por conta própria, para a educação?
Vamos, por exemplo, pensar na imagem e ou no julgamento que a criança faz de si — a hoje tão falada auto-estima — quando perce­be que os pais sempre estão dispostos a fazer por ela, a interceder por ela, a providenciar pa­ra ela, a defendê-la etc Será que esse tipo de atitude não colabora para que ela se sinta inse­gura, frágil perante desafios, sem coragem pa­ra arriscar, enfrentar e saber que pode errar?

Pois é: quando os pais — e professores tam­bém — permitem que a criança ou o adolescente tomem uma atitude por sua conta dian­te de um problema — ou pelo menos os enco­rajam a procurar fazer isso — estão, na verda­de, transmitindo aos jovens a idéia de que acreditam que ele é capaz de fazer aquilo. Não é assim que eles ganham confiança para seguir em frente?

Mas creio que, por trás desse muitas vezes exagerado senso de proteção que leva os pais a tomarem uma série de atitudes em relação à vida do filho, há um julgamento: o de que o fi­lho vai se dar mal, de que vai sofrer mais do que pode suportar, de que não vai aprender com o erro que porventura vier a cometer nem, muito menos, conseguir arcar com as conseqüências das decisões que tomar, de que não é competente para se virar. Isso tudo —vamos convir— não deve fazer bem a quem precisa alcançar autonomia num futuro bem próximo.

Todos os adultos, principalmente os que são pais, sabem que a vida não se passa num pa­raíso. Bem que gostaríamos que o mundo fos­se melhor para os filhos, mas a realidade é que ainda temos de enfrentar muitos problemas.
Talvez eles possam mudar muitas coisas com as quais não concordamos. Mas, para que essa possibilidade exista, precisamos deixar de su-bestimá-los tanto, não é mesmo?

Claro que isso não sjgnifica. nem de longe, abandoná-los e deixar que se virem sozinhos para enfrentar situações para as quais não es­tão, de fato, preparados. Mas é bom lembrar que, para que um dia estejam preparados para o que der e vier, precisam experimentar, arris­car, errar, decidir, escolher, sofrer frustrações e dissabores enquanto ainda estão sob nossa tutela e responsabilidade, pois, dessa maneira, podemos colaborar para o. seu desenvolvi­mento, crescimento e_aprendizagem. Se tirar­mos deles essas oportunidades, eles demora­rão muito mais a descobrir a vida como ela é.

ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e autora de "Sexo é Sexo" (ed. Companhia das Letras); e-mail: roselys@uot.com.br
Equilíbrio – FOLHA DE SÃO PAULO

Nenhum comentário:

Postar um comentário